Trocando em Miúdos
É ilegal apreender veículo com tributos em atraso em blitz?
Essa publicação tem a intenção de “encher linguiça” na minha coluna de hoje. A realidade é que os representantes dos órgãos de defesa dos cidadãos e do consumidores, demonstram, todos os dias, de forma irritante e corriqueira, que não estão nem um pouco preocupados em defender os cidadãos, muito menos o consumidores.
Muitos estados e municípios adotam a prática abusiva da apreensão de veículo como forma de coagir o cidadão a pagar os tributos devidos. Carro apreendido por falta de pagamento de IPVA ou multa é abuso por parte da administração pública e deve ser combatido com todos os meios jurídicos possíveis.
O princípio da Legalidade diz que a administração pública só pode fazer o que está na Lei, enquanto pessoas físicas ou jurídicas podem fazer tudo que a Lei não proíbe.
Nesse sentido, percebe-se que o Estado, ao apreender um veículo por estar sem pagamento de multa ou IPVA, age em total desacordo com a legalidade.
Por que o Estado não pode apreender veículo por tributo em atraso?
Com base nos princípios constitucionais configura conduta arbitrária e ilegal a apreensão de veículos com o intuito coercitivo de cobrança do tributo.
O PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO
Confisco, ou confiscação, é o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judicial, fundados em lei.
A Constituição Federal impõe o seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco.
Dessa forma, percebemos que o princípio do não confisco diz que o Estado não pode utilizar os tributos para retirar os bens do cidadão e incorporá-los ao tesouro estadual, ou repassá-lo a outros.
A Constituição impõe um limite ao poder do Estado de tributar e da forma de cobrar esses tributos.
3.2 – DAS SÚMULAS 70, 323 e 547 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O STF já tratou dessa questão e impede de forma sumular, ou seja, quando demonstra o seu entendimento reiterado, que é inconstitucional o Estado apreender bens com o fim de receber tributos.
SÚMULA 70 - É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
SÚMULA 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
SÚMULA 547 - Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Pelas súmulas apresentadas, percebe-se que o entendimento do STF é totalmente contrário à blitz que apreende o veículo, por ser cabalmente inconstitucional.
Observe outros princípios constitucionais que são desrespeitados:
3.3 – FERE O DIREITO À PROPRIEDADE
A Constituição federal consagra o direito à propriedade, concedendo o poder ao cidadão:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade.
Veja bem, um cidadão não pode ter o seu bem arrancado de suas mãos sem se defender, porque o direito de possuir bens é assegurado pela constituição. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. O Estado é limitado ao exercer desapropriação e proibido de realizar confisco através de impostos.
Caso o Estado queira receber os tributos, que procure os meios legais, fazendo uso do devido processo legal, e não através de um descarado abuso de poder de polícia.
O Código Civil regula como a pessoa pode fazer uso de sua propriedade. Veja:
Art. 1.228 - O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O direito à propriedade é sagrado, não podendo ser usurpado por ninguém, nem mesmo pela administração pública.
3.4 – ATINGE O DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Constituição, que é a Lei Maior, infinitamente acima do Código de Trânsito Brasileiro, informa o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O texto não poderia ser mais claro! O que a blitz do governo está fazendo é totalmente contrário ao que o texto legal diz. Para que alguém venha a perder o seu bem, ainda que temporariamente, tem que haver o devido processo legal.
O devido processo legal é aquele em que o cidadão tem o direito de apresentar sua defesa, contradizer à acusação. E o que a blitz faz? Apenas toma o bem do cidadão, sem que esse possa se defender. Um absurdo!
O devido processo legal é garantia de liberdade, é um direito fundamental do homem, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art. 8º Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
E ainda, na Convenção de São José da Costa Rica, o devido processo legal é assegurado no art. 8º:
Art. 8º – Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (…)”
Dessa forma, quando o Estado apreende o veículo do cidadão por não pagamento de tributos, ofende a Constituição, a Carta Universal de Direitos Humanos e o famoso Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é um país signatário, ou seja, que o admitiu em seu ordenamento jurídico.
3.5 – OFENDE O DIREITO AO TRABALHO
Muitas pessoas fazem uso do veículo para o trabalho, seja para a condução até o local da atividade, para uso direto como transporte de pessoas, ou para utilização indireta, como o carro da empresa.
O Estado, ao apreender um veículo, está em grande parte ofendendo o princípio do Direito ao trabalho. Caso o carro seja levado, a empresa pode inclusive fechar. A moto que o jovem utiliza para ir ao serviço e desafogar os ônibus é tomada pelo Estado, gerando um caos maior ao transporte público e dificultando o trabalho. Pense nos mototaxistas!
A Constituição Brasileira diz o seguinte:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Em tempos de crise, como esta que o Brasil vive, não pode a Administração Pública piorar a situação sob o pretexto de receber tributos. O exercício do trabalho é o direito à sobrevivência, à própria dignidade – o que vou tratar a seguir.
3.6 – ATACA O DIREITO À DIGNIDADE
Já se imaginou tendo o veículo apreendido? Pessoas olhando? Chegar em casa ou no trabalho sem o veículo? Consegue pensar em uma vergonha maior? É uma indignidade sem tamanho!
O Estado não pode utilizar sua conduta para impingir dor e sofrimento ao administrado, com o fim de coagi-lo a pagar tributos. Trata-se de um terrível ataque à dignidade humana.
Rizzatto Nunes considera, ainda, a dignidade da pessoa humana como sendo um supraprincípio constitucional, entendendo que se encontra acima dos demais princípios constitucionais.
Leia:
Art. 1º- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Trata-se de um fundamento, ou seja, todo o ordenamento jurídico é sustentado por esse princípio, não podendo o Estado utilizar um meio que aflija esse conceito.
Apreender um veículo por falta de pagamento de tributo é ofender a dignidade humana. Ter o veículo apreendido por impostos em atraso é humilhante, degradante, é uma violência sem tamanho.
Qual seria a medida correta para o Estado receber tributos em atraso?
O Estado deve fazer uso dos meios legais para receber os tributos que lhe são devidos, e não apreender de forma abusiva, ilegal e imoral o veículo dos cidadãos, por estarem em atraso no pagamento dos impostos.
Sem dúvida que o meio correto para se cobrar a dívida dos tributos é fazer uso da EXECUÇÃO FISCAL, uma medida judicial que vai cobrar do cidadão o pagamento do tributo, podendo, inclusive, lhe protestar o nome e inscrevê-lo no cadastro de proteção ao crédito.
Nesse processo de execução fiscal, o cidadão terá o direito de apresentar a defesa necessária e possível, e o juiz proferirá a decisão respeitando o devido processo legal.
Esse é o meio correto, pois apreender o veículo por atraso nos impostos é o mesmo que expulsar a pessoa de sua casa por ter atrasado o IPTU.
O que o cidadão que teve seu carro apreendido em blitz por impostos em atraso pode fazer?
Em primeiro lugar, a melhor forma de defender o seu direito é procurar um advogado para lhe dar a melhor orientação e apontar as estratégias a serem tomadas.
O cidadão que teve o seu veículo apreendido por falta de pagamento de impostos deve ajuizar uma ação para restituir o seu veículo; e buscar algumas indenizações contra o Estado.
Veja o que a Constituição diz sobre a responsabilidade do Estado:
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
- § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O Estado deve indenizar por danos morais àqueles que tiveram o seu veículo apreendido em blitz de cobrança de impostos. A indenização por dano moral é aquela utilizada para compensar a dor psicológica que a pessoa sofreu ao ser tomado o seu veículo.
O Estado deve indenizar os danos materiais. Já viram como são os pátios de veículos apreendidos? Sol, chuva, nenhuma proteção ou cuidado. Ali somem peças, ocorrem danos de toda natureza.
O Estado deve indenizar os lucros cessantes. Muita gente utiliza o veículo para defender o pão de cada dia, ou seja, seu sustento e de sua família. Havendo provas de que deixou de receber pagamentos como honorários, salários, diárias ou quaisquer outras formas de remuneração pela perda do veículo, este deve ser indenizado.
O cidadão deve procurar se defender das atrocidades que o Estado comete. O que percebemos é que há ruas esburacadas, estradas destruídas, gasolina caríssima, furtos e roubos batendo recordes, péssima sinalização; e ainda vem a blitz para apreender o veículo das pessoas?
O Brasil é um dos piores países em retorno de benefícios pelos impostos pagos. Na verdade, imposto neste país deveria ser considerado doação, pois você nunca mais vê, nem sabe onde o dinheiro vai parar.
FONTE: Revista JusBrasil - advogado Rafael Rocha - Bacharel em Direito pelo INESC/MG; Bacharel em Teologia pelo SETECEB/GO; Pós graduado em Direito Empresarial pela FIJ/RJ; e Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo ATAME/GO. Vice Presidente da Comissão de Direito Penal Militar OAB/GO 2016-2018; membro do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal; membro da OAB/GO e Abracrim – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
FOTO/arquivoJBP
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