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A ciência do poder econômico promovendo a seleção social no turismo de Mangaratiba
Adotando medidas restritivas sem quaisquer critérios científicos, carregadas por uma seleção social evidente, apesar de disfarçada, a Prefeitura de Mangaratiba, município da Costa Verde completamente dependente do setor de Turismo, decidiu, através de Ato Normativo, que os turistas que alugarem casas ou pagarem estadias em hotéis ou pousadas terão acesso liberado ao município mediante a apresentação obrigatória de comprovantes de locação ou reserva.
O Ato Normativo, que atropela direitos constitucionais invocando o argumento “salvar vidas”, suspende a permanência de pessoas nas praias, ilhas e cachoeiras, proibindo, também, a frequência de praças e parques públicos entre uma e cinco horas nas madrugadas de 12 a 21 de fevereiro. A recomendação da Prefeitura é que as pessoas só saiam de casa para atividades essenciais, como compras, trabalho e serviços de saúde.
As equipes de fiscalização da Guarda Municipal, Ordem Pública e Vigilância Sanitária atuarão de forma permanente aplicando multas e sanções criadas pelo Decreto 4.378/20.
As autoridades municipais citam que os infratores poderão ser enquadrados no Artigo 268 do Código Penal Brasileiro - "Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena — detenção, de um mês a um ano, e multa.
O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Vários juristas discordam dos atos normativos e decretos editados por estados e municípios sem quaisquer bases em estudos científicos sobre saúde.
A questão que se levanta é se teriam os estados e municípios competência para dirimir sobre tais assuntos. Ou ainda, teriam competência para determinar, por intermédio de atos normativos, que a população cumpra quarentena compulsória?
Carta Maior - Artigo 21, incisos V e XVIII e 23, inciso XII e parágrafos 1º a 4º.
O artigo 21 elenca uma série de obrigações que são de competência exclusiva da União, em destaque para os incisos V e XVIII, que dizem respeito à decretação de estado de sítio, de defesa e intervenção federal, bem como a obrigação de planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas.
Somente o estado de sítio poderia tolher direitos e garantias fundamentais, conforme determina a seção II, do capítulo I, do Título V, da Constituição da República.
No caso da Covid-19, o estado de calamidade de grande proporção é patente, tratando-se de vírus de origem ainda desconhecida.
Apesar do que entendeu recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF), aduzindo que a Medida Provisória 926/2020 do Governo Federal não afastaria a competência concorrente e a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados e municípios, juristas afirmam, que a competência seria da União, ante a especificidade trazida no artigo 21, que sobreleva o caráter de generalidade quanto à defesa da saúde, uma vez que nos encontramos em estado de calamidade pública.
Aplicação do Artigo 268 do Código Penal
A orientação dada pelos governos dos estados e municípios sobre incorrer na conduta criminal tipificada no artigo 268 do Código Penal é um claro exemplo de malabarismo hermenêutico sem grandes respaldos jurídicos.
Para os juristas Guilherme de Camargo Medelo* e Bruno Lincoln Ramalho Paes*, a utilização de força policial para deter aqueles que estiverem transitando pelas ruas sem justificativa plausível não é possível e se enquadra no crime de abuso de autoridade previsto no artigo 9º da Lei nº 13.869/2019.
Segundo suas análises, para a aplicação da norma há de se observar dois preceitos basilares do Direito Penal, quais sejam, da norma penal em branco e princípio da tipicidade estrita.
“No caso de ordem não ter o respaldo jurídico legal, ou seja, no caso de o funcionário público proferir ordem sem legalidade formal e material, o particular não é obrigado a atendê-la, tendo em vista que não é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, nos termos do artigo 5º, inciso II da Constituição da República, Diante disso, ante a ausência de tipificação da conduta criminosa, entendemos não ser possível à persecução penal e tão pouco a prisão em flagrante daquele que supostamente estaria infringindo a lei”, garantiram em estudo recentemente publicado, onde afirmaram que a exposição sensacionalista da imagem dessas pessoas em encontros sociais ou, até mesmo, realizando atividades necessárias à sua sobrevivência, que podem, não raras vezes, ser descontextualizados, tendem a produzir ondas de ataques e linchamentos coletivos, os quais causam danos sensíveis à sua intimidade e personalidade.
- Guilherme de Camargo Medelo, advogado graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI), especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito (IBIJUS), pós-graduando em Direito Tributário e Constitucional pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI).
- Bruno Lincoln Ramalho Paes, advogado, mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (FADUSP), mestre em Economia pela Universidade Francisco Marroquín (UFM), especialista em Filosofia do Direito pela PUC-MG, Bacharel em Direito na Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI)
QUIOSQUES FISCALIZADOS E MULTADOS
Quem visitou a Praia de Ibicuí no feriado de 15 de novembro do ano passado, certamente verificou grandes aglomerações de cabos eleitorais próximos aos locais de votação e sem qualquer fiscalização, nem mesmo da Justiça Eleitoral.
E foi justamente na aprazível praia de Mangaratiba, que a Vigilância Sanitária, com o apoio das Secretarias de Ordem Pública e de Serviços Públicos, realizou operação na quinta-feira, 29, para fiscalizar quem trabalha gerando renda no município.
Segundo os Secretários de Ordem Pública, Eriesson Agra Júnior, e de Serviços Públicos, Fábio Ferreira, a operação foi motivada por denúncias anônimas.
E assim, amparados por decisões adotadas com base em estudos científicos não publicados e sem autorias, quem pode pagar por aluguel de casa ou estadia em hotel e pousada não transmite o novo coronavírus.
É a ciência do poder econômico promovendo a seleção social no turismo de Mangaratiba.
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